domingo, novembro 30, 2008

Penso enchentes. Mais do que em águas aquelas cidades estão submersas no lixo – produto da indústria humana. Em socorro dos desabrigados para lá mandaremos mais e mais garrafas de plástico, fraldas descartáveis e cápsulas cheias de produtos tóxicos. Mandaremos os milhões necessários à reconstrução das casas daqueles que as perderam. Deixaremos de mandar os outros milhões necessários para a construção das casas daqueles que já não as tinham.
Penso atentados. O Primeiro Ministro indiano pediu pela paz, sentado de costas para um busto de Gandhi. No Congresso, a extrema direita granjeia votos, acusando-o de incapaz na condução do país. Vociferam afirmando ser necessário seguir o exemplo das potências ocidentais após o onze de setembro.
Penso perguntas. Nossas cidades carecem hoje de destruição? Nossos modos de conviver, de produzir e partilhar o pão, pedem revolução? Nossas mentes carecem trasmutação?
Penso o pensamento. Seguem em mim perguntas de criança. Teimo em ver o mal sem crer no Mal, senão em territórios fantásticos. Somos – iguais – passageiros. Nossos desejos são – iguais – irrealizáveis. Seguimos: humanos iguais – cabeças, troncos, membros e ignorâncias.

quarta-feira, novembro 26, 2008

Morrem - humanos - em guerras. Morrem em atentados. Morrem no acaso das armas; e em ruas com bueiros entupidos de lixo, incapazes de suportar as grandes águas. Dias atrás morreram meninas também. Na noite medito os fatos e tremo: são mortes conduzidas por mãos - humanas - capazes.

Procuro meus filhos, moradores do lá longe. O menino não responde. A menina responde citando Kalil Gibran. Lembro-me de ter lido o mesmo trecho em tempo de ser filho. De reler em tempo de ser pai. Lembro-me de que sou homem vivo. Ouço a chuva doce. Ouço o leve ruído dos dedos sobre as letras. Ouço a menina dizer: estamos no ano da Tormenta Elétrica, estamos no fim do mundo.

N'outra manhã compareço, reabro os jornais, abro os olhos. Logo aqui ao lado, o retrato da varredora ocupada em limpar a calçada em frente ao Hotel Taj Mahal, em Mumbai. Uma vez estivemos juntos a poucos metros um do outro. Tomei-lhe a imagem pelas costas.



Hoje, estamos juntos aqui. Quisera ajudá-la a varrer o horror para algum não-mundo.

terça-feira, novembro 25, 2008

Sonhei estar com crianças. Íamos em perseguição a um livro escondido. Uma biblioteca, guardada por um homem-mau-de-história, era o cenário. Chegamos à conquista de uma edição rara do Pinóquio, mas não era este o volume procurado. Antes da conquista, acordei. Nem me lembro qual era o tesouro. Sonhei também ruas confusas e travessias perigosas. Acordei do avesso. Ainda tento ajustar ao corpo a alma amarrotada. Assim me apresento nas vésperas de cada jornada: manhã.
Depois vejo. Há luz. Os dias são de cores. As bromélias invadem os troncos fincados nos canteiros da rua. Os caminhos são rosados.
E ouço. Há ruídos. As máquinas persistem. Há as que roncam, as que trincam, as que travam e as que se abrem para receber e devolver as vozes do mundo.
Creio. Há fé. O inverno é em novembro e o agora é. Os sinos quase não mais existem e, mesmo assim, tocam-me. Tenho uma nova bússula. Uso óculos e máquinas. Anseio dizer façanhas. A cor é a do corpo - cor nenhuma e vária. Significo ao menor sinal da dor.

Hoje quis mudar o mundo. Era o fim da tarde, fim da jornada-do-homem-no-dia, quando encontrei os velhos. Marcas de dor beiravam seus cantos – bocas, olhos, dedos: fronteiras suas entre o dentro e o fora. Cogitei ações e métodos. Sonhei ofertas de dias novos, com outras e claras manhãs, outras tardes de sossego, outras noites de festa. Depois suspirei, exnxergando o engano. É tolice inventar um futuro para presentear aqueles que só necessitam de um novo passado.

Na noite, o desejo de sonho impede o sono. Sigo à procura de entendimento. Encontro uns ditos e uns silêncios. Disseram-me: antes de ser nasci. Sobre o antes disso nada disseram. Disseram: depois de ser vou morrer. Está tudo quieto. Os ruídos existem, mas estão lá na rua, fora do quarto, longe da cama. Os ruídos estão no além.