quarta-feira, setembro 06, 2006

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Entre os guardados em minha gaveta de descrenças, mora a teoria da conspiração. O maldito, o não-bom e o mortífero caminham no mundo, não posso negar. A existência de homens lúcidos, dedicados à invenção de guerras e ao patrocínio das pragas, não me é oculta também. Mas passo ao largo, sempre que posso. E quando falo, posso sempre.
Acusações de ingenuidade ou indolência, e outras, intensas, incinero no interno rimador, acolhendo-as como sinais de conquista. Vivo entre homens e mulheres de bem. Conheço mais poetas do que tiranos. Na corrente, na vida, no fluxo dos afazeres, há sim angústia, desconsolo, dores sem remédio e fomes daquelas que jamais serão saciadas. Mesmo nisso, o tudo, não consigo enxergar diferenças tão grandes entre bandidos e mocinhos. Sumiremos todos.
Nisso pensava, olhando para a panelinha branca, assentada sobre o fogo brando, cozinhando um cereal nascido nos Andes. Acrescentei o missô, inventado no Japão, mexi um tiquinho, alonguei as costas, dando-me conta das tensões nas fronteiras do cóccix, este ossinho de nome lindo, capaz de guardar o peso do dia-mundo-vasto-mundo-se-eu-me-chamasse-carlos... E fui matutando maneira de melhor explicar...
Aí, deu-se. A de fazer o-de-comer é sempre a hora. Desentendi o desejo de dizer as coisas, de mandá-las escritas ao mundo eletrizado, mundo máquina. Mesmo assim, retornei. Desejo não é de entender – pensei. Desejo é de buscar, de guardar, de conter, de transformar em ação-de-gozo, desejo é fruto. E então, digo: tenho um plano; tenho um mundo prontinho, com pouco uso, sem dono e sem manual. Nele, a história dos inventos encerra-se ali pela invenção das bicicletas. A história das travessias de oceanos salta das caravelas ao tele-transporte dos corpos em estado de meditação. Os engenhos da propagação da palavra estacam no livro e – sem pedágio por jornais ou aparelhos emissores de ondas eletromagnéticas – chegam à telepatia. E assim para trás...

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Ir para trás é um recurso humano maravilhoso. Razão, memória, história que permeia todos e nos produz ainda antes que estejamos nascidos. Nascer é ir para trás. Viver é ir para trás. Um ponto de saída é o foco. Todo movimento é uma hipérbole. Estejamos juntos para sempre. Mesmo se não quisermos. Está apertado aqui...
Foi a coisa mais linda que já escreveu... parabéns para mim.
Sidney Giovenazzi

7:07 AM  
Blogger Tati P. said...

Gostei muito desse também.
Adorei a parte: "Desejo não é de entender – pensei. Desejo é de buscar, de guardar, de conter, de transformar em ação-de-gozo, desejo é fruto."

Realmente o desejo não é se entender. não pelo menos o entendimento alheio, é um entendimento de si. pra mim é assim, quando "escrevo as coisas".

continuando a ler, estou gostando das reflexões .. :)

11:41 PM  

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