quarta-feira, outubro 07, 2009

Tambores, cordas e vozes encantam a noite. Flores nascem cá e lá, em cada canto. A palavra segue suspensa. Imagens e sons ocupam as horas.

sábado, agosto 08, 2009

Vou escolher uma flor. Olharei a dita, a flor: a flor-dita. Bebericarei, logo (existo!), uma poção. Ela tornar-me-á flor, qual a flor-dita: hermafrodita. Em tal estado (que tal?) traçarei um retrato. Traçarei com traços: lápis. Coisa linda, a coisa e o nome da coisa: o lápis. Isso se para tanto (é tanto!) houver tempo, neste fim (pois enfim, há este, o fim) do tempo.

domingo, maio 03, 2009

Antes do esquecimento há o acontecimento.

Esqueço-me de que aconteço. Teço. Esqueço. Antes, respiro, inspiro e expiro. Há movimento. Há eco. Se assim repito – o mote, o tom, o ritmo – é por estar entre as nuvens, é por estar anuviado. O dicionário me informa: disse estar sombrio, nublado.

terça-feira, janeiro 20, 2009

Intento: escrever memória. Há, entretanto, o presente: presente. Ouço música deixada ao futuro – cantada nos anos setenta do século outro, em um quando estive experimentando estar jovem – depositada na máquina então inimaginável, esta aqui ao alcance dos meus dedos de hoje. Com o coração escuto: só uma palavra me devora, aquela que o meu coração não diz. Intento mostrá-la aos meus filhos. Isto no futuro, no próximo encontro, no depois de amanhã, na quinta, logo, logo, no quase agora. Vou gostar de lhes dizer uma ou outra palavra enquanto estivermos ouvindo as canções. Talvez comece com um foi numa noite fria e prossiga apontando aqui e ali travessuras de amor, entristecimentos da noite em que conheci o disco e vi uma minha não-mais-namorada tocar a mão do seu então-namorado-ainda-hoje-marido, e concluirei o trecho de memória com um grande sei lá deles e, neste ponto, baixarei o tom anunciando o que ficou: eu canto, porque o instante existe e a minha vida está completa... Ai! E a canção seguirá e o Fagner, citando a Cecília, cantará: um dia eu sei que estarei mudo...mais nada.
E agora? Lido o parágrafo, tudo ficou mais obscuro do que naquele antes, no tempo ausente – lá no passado quando o disco rodava em vitrola de amigo, ou lá no futuro quando ouviremos o registro eletrônico, bendito fruto, colhido na rede, encontrado em baú de pirata.
Aí o disco se encerra, em peça sem versos, chamada: Quem viver chorará. Aciono a repetição. Na sequência, ao que tudo indica, salvarei o arquivo e, em tendo coragem, com a ponta do dedo dirigirei a seta ao invisível alvo.

quinta-feira, janeiro 15, 2009

Cerco. Cerco. Cerco-me.
Tudo é luxo neste verão: tempestades, música, beberagens de líquidos – magias. O Quinteto Violado conduz o coro – no passado. Um presente na noite, na quinta. Mesmo as dores nos olhos exaustos de imagens da guerra, mesmo a ignorância completa, mesmo esses e os outros muitos fatos são incapazes de consumir a alegria latente – latejante – filha da luz, tamanha!
Juntas, ou quase, as coxas ousam insinuar um triângulo. As idéias ousam brotar entre estas pernas minhas encostadas dolorosamente ao chão. Como seria viver sem o dever de ordenar aos ombros: abram-se, livrem-se, soltem-se...? Uma valsa rega a imaginação do homem encolhido, encolhido em si, dobrado sobre o chão da casa, aquela pregada sobre a outra e sobre a outra e sobre a outra, elas todas sobre o chão preso ao centro da terra – ao fogo! Mu Carvalho está ao piano. A brisa denuncia a impossibilidade de outra tempestade.
Longa é a noite. E ela é só isto: escuro – o Sol a brilhar na Palestina onde há gritos – e claro – as lâmpadas da casa ainda acesas em homenagem à música.

terça-feira, janeiro 13, 2009

Nota. Imperativo é o tom.
Estou a ouvir peças para cravo – Antonio Vivaldi – e a perceber coisas. É fim-do-dia e sou tocado pela música que percorreu séculos, por escrita, e chega aos meus ouvidos, nesta quase-hora, saindo de uma máquina, depois de ser lida pelos olhos e reinventada pelos dedos de um certo Enrico Baiano em contato com um cravo, gravada por sei lá quem e guardada dentro de outras e outras máquinas.
Nota.
Depois escuto Théo de Barros. Este escreveu Disparada, canção que eu cantarolava na infância, porém seu nome me era estranho até hoje. Conhecedor de orquestras, o senhor Théo. Conhecedor de Vivaldi, decerto. Chego a ouvir esta voz, também pela intervenção de milhares de máquinas, instrumentos e ondas. Espanto é o nome de uma canção do disco. Canção conhecida no tempo em que me conheci – aquele do fim da infância, aquele do começo da ignorância real, aquela a me acompanhar até agora e, é quase certo, ao além.
Nota.
O Império prepara-se para receber o novo grande homem. Será na próxima semana. A guerra no Lá prossegue, mas agora as vítimas se acumulam somente às dezenas, então as notícias vão deixando as primeiras linhas. Nestas só cabem mortos quando aos milhares forem recolhidos ou se faltarem os sacos para guardá-los.
Noto.
As canções embalam, desde... Não conheço música vinda da Palestina, ou do Vietnã, ou do Congo, se ainda houver Congo. Isto posto, ouvirei uma canção do Egberto Gismonti recontada por Esperanza Spalding e, apesar, vou me recolher ao território dos sonhos.
Nota.
Nota. Nota. Nota. Nota. Nota. Nota. Nota.

sábado, janeiro 10, 2009

Más notícias. Manhã. Foguetes disparados. Maus foguetes: barulho e fogo não-brando, não-útil. Não. Boa-nova: Consiglia Lattore canta o Tempo da Delicadeza, conta males-de-amores, sempre tão bons e, logo cedo, os sons das não-bombas ocupam a sala. O dia em curso – velocidade de cruzeiro.
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Na tarde – 700 mortos em Gaza – uma vertigem. A ajuda humanitária não pode chegar à Palestina. Os diplomatas reunidos em lugares... Faço um café forte, brincando com as moças, ensinando: coloca-se muito pó, até quando se tem a impressão de ter passado da conta e, então, acrescenta-se mais um pouquinho. Um tanto do extrato do vegetal tão belo – verdes e flores – com água de qualquer fonte e temos o suco quente, sem o qual não se pode viver. O motorista a levar alimentos morreu. Façamos então uma revisão do estado de nossas vidas amorosas. Olha ali aquele menino, invista – disse. Está bom o café? Invista. O amor é possível. E se não for possível o amor, aquele, pode ser só sexo. Sexo, sexo, sexo – mesmo quando é ruim é bom! Ah, ah, ah, rá, rá, rá, ai, ai, ai, psiu... Amanhã é sábado. Amanhã o sabá.
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Sábado. Sabá. Dia do senhor de alguns... Dia de poderes... Poder de cinema, poder de cerveja, poder de fechar barreiras, de fechar portas, dia de não entrar, dia de não poder deixar os alimentos, não antes da retirada dos depositados ali, à porta, parados, pois estamos no sábado... o sabá...
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No cinema houve um momento. E há este outro. Nele, ouvir Tom Zé a estudar a bossa. Ora: O Céu Desabou. É a música. Ela diz. Nas palavras está escrito. Nos acordes está inscrito: o céu desabou. Ah é! Esqueci. Foi no cinema. No momento foi. Um pensamento: o medo de morrer pode matar. Depois outro. Esqueci as palavras certas. A música é excelente. Ah! Insensatez. Quando a morte começou a me matar foi no escuro. Aí eu disse: deixa disto, me larga, me esquece, vou viver até o fim. E fui ao cinema, comprei cigarros em caixa vermelha, com um filtro marrom chamado vermelho, o filme era imenso, a dor era grande lá na história, e a espera é grande quando nada se espera. Vou mudar alguns livros de lugar agora mesmo. Pensei, decidi, fiz. Tudo – uma porção de movimentos absurdos – enquanto o Tom Zé continua cantando, enquando estou a procurar maneira de contar o quanto quero saber por que insistimos em guerrear as guerras. O Ney Matogrosso canta: eu sou o homem de Neanderthal...nasci de um povo primitivo. As guitarras existem. Quero encontrar nas palavras o jeito, ou o trejeito, ou o que seja! Por deuses, é sábado! Sábado! Sabá! As sentinelas nos portões, nas margens das cidades sitiadas, estão em alerta. Haverá novos combates novos combates novos combates novas granadas – canta-se. Entorpecido: estou, sou, vou. O chão da casa está sujo. Muito sujo. Lembrei-me: Bubble, o filme. Entendi: há o oriente médio, isto porque há também o oriente próximo e outro, extremo. Que nome darão a essa guerra? Vontade de colorir. Vontade de vermelho para contar o sangue. Vontade de verde para contar o verde. Vontade amarela para imaginar um oriente amarelo. Vontade de dormir no leito de um rio qualquer, tripulando embarcação sem âncora. Nisso, no disco, aos apitos de um barco segue-se uma história da chegada de um canhão a um porto. Entendo: sincronias há. Vamos no mundo juntos, porém alheios ao mundo, porém alheios ao fato de estarmos juntos. Melhor encerrar – penso. Vou prosseguir – decido. Tremo no sabá. Direi: se há guerras, se há guerras, ainda, ainda, ainda, precisamos rimar, cantar, escrever e juntar, quiçá com rinha rimar ladainha, quiçá quicar – palavra que existe e, como qualquer outra diz nada e diz: coisas demais.

terça-feira, janeiro 06, 2009

No antes – do ler as notícias – dou notícias: a tarde entardece, um piano foi tocado no tempo e no tempo-agora emoldura o por-de-sol emoldurado pelas pedras da cidade, aquelas logo ali à janela
Na casa:



No jornal:



Na janela:

Crepúsculo. E a chuva... E o frio... E a memória... Dá medo! Viver é perigoso. Não tem fim senão quando acaba. E pessoas passeiam... Dentro das casas pessoas escrevem... Palavras escapam ao som de tambores...

No jornal:
Pelo menos 60 pessoas, em sua maioria civis, morreram por fogo...

Na janela:
O sol...


Na casa:
Dulce Nunes canta Canção do Dia de Sempre, de Mário de Quintana: “nada jamais continua, tudo vai recomeçar...”

segunda-feira, janeiro 05, 2009

Venho de uma casa lá. Aporto na casa cá. Marco na página estes pontos, qual pudesse adornar os fatos. Copio um disco desconhecido. Recebo os amigos para café, fumaça e para ouvir a moça – baixo, voz, beleza. Faltam sacos para corpos em Gaza. Conto vitórias no jogo do bicho, olhando de soslaio para os jovens apaixonados que sofrem. Sugiro uma outra canção. Digo não, digo hoje fico. Mudo de lugar a geladeira nova. Mudo de lugar a geladeira velha. Faltam sacos para corpos em Gaza. Olho para a rua. Olho para o crepúsculo prateado. Olho. Olho. Olho. Agasalho o tronco e tiro as meias. Ponho no forno um pedaço de pizza. Um pedaço de ontem ponho no fogo. Faltam sacos para corpos em Gaza. Reclamo ao telefone. Perdoo quem não veio. Digo. Digo. Deixo para lá o atraso. Acho que não devo. Sempre se atrasam comigo. Faltam sacos para corpos em Gaza. Penso ligar a câmera e, de frente para o espelho, cantar. Quero observar os movimentos do ar nas costas, nas costas, nas fronteiras, limites. Estou na posse de minhas costas e de meu espelho. Faltam sacos para corpos em Gaza. Desisto de filmar qualquer coisa. Desisto de não me queixar de uma dor pequena no pescoço. Não desisto de manter a máquina em funcionamento. Não posso. Faltam corpos. Outros corpos, quero dizer. Faltam aqui. Fumo um cigarro. Outro cigarro. Mais um. Uma mulher toca um violão. Os vizinhos estão em festa. Mas não há problema. Entre nós estão muito bem estabelecidas as fronteiras. Faltam sacos. Uma dose. Uma só. Tenho já as calças brancas, as meias brancas, a camisa – o peito é vermelho. Corpos em Gaza. Está frio. Muito frio. Há sacos em Gaza. Há músicos com corpos. A camisa vermelha, sob a blusa branca, sobre o peito apertado – calor. Faltam sacos para corpos em Gaza. Faltam corpos para corpos em Gaza. Faltam corpos em Gaza. Está frio neste janeiro do mundo. É janeiro em Gaza. O encanador não veio. A geladeira velha agora está ao lado da nova. Sobram geladeiras em Gaza. Está frio. Um gole. Faltam sacos para corpos em Gaza. Dois dias longe dos jornais. Dois dias dentro da música. Duas músicas dentro de mim. Música dentro do saco. Corpo dentro do saco. A vida dentro do saco. Faltam sacos para corpos em Gaza. A música está aqui na casa. As imagens desencontradas dos tantos objetos encontrados, moradores da casa, guardados aqui, no corpo. Faltam sacos para corpos em Gaza. E lençóis...

sábado, janeiro 03, 2009

No terceiro dia consultamos um oráculo. Lemos: A Preponderância do Grande. Foi dito: é oportuno ter para onde ir. Há equilíbrio precário. O centro é denso, as extremidades são suaves.
O centro é o desejo. Ora desejo o claro. Mesmo em sendo noite, à busca das luzes irei. Seguindo. Seguindo. Circulando. O mundo é motivo. Colho: flores, nuvens, mais flores, uma canção entoada às margens de um piano. Recolho entre milhões de palavras estas algumas. Desejo adorno, adereço. Já é quarto o dia – diz o relógio. Há fome. Há pão – trigo e água e fogo e tempo. Ah...
Por um momento cogito encerrar, recolher, guardar. Noutro, percebo a fala cumprindo seu dever: dizer mesmo assim.






sábado, dezembro 06, 2008

(Capítulo)

Houve uma pausa no caminhar em direção ao restaurante, ou na ida ao mercado, ou quando... O fato é a frase: desde quando descobri estar vivo... As reticências postas anunciavam uma tarefa. Ora desejo livrar-me logo dela para poder não-fazer, realizar o estar-em-férias, gozar o até-que-enfim... Todavia, as reticências seguem-se àquela e às outras sentenças. Seguem-me... em um tomar ares, qual fossem os ventos desta primavera extravagante: frios e criadores de instantes: frios e intensos: instantes. Vejam-me tomando-as, não por sinais gráficos a anunciarem algo que ficará oculto ou deixado ao depois, porém qual fossem um ciclope aprisionado por eras, neste momento tomado como montaria por um ginete cego. Vamos... Avante... Viemos já até este sítio então não podemos mais desistir. Somos dois seres sobrepostos – qual a alma e o corpo do homem a crer – com um único olho a nos servir de guia. Não se carece nada mais. Isto desde a descoberta, aquela, a de estar-se vivo. Nos avessos da mente a verdade esteve sempre inscrita, guardada no ponto-centro ao qual só se pode chegar depois de rodar por lugares e neles viver coisas: acasos, encontros, dissabores e gozos. Em dia claro, a tal se moveu deixando o dono da cabeça – casa-da-mente – muito assombrado. Ele teve a impressão de perder-se em terra estranha. Viu-se cercado/invadido por seres/outros vivos. Ocupavam-no com propósitos de dele extraírem a seiva necessária para seguirem seu próprio caminho. Emissários da vida-após-a-vida, noticiam estar a vida presente: no agora-aqui. Voltemos... Foi um belo trote – pensa o ginete. Nem me doem ainda os ombros – comemora o ciclope. Façamos uma pausa. Há música por aqui. Podemos ouvi-la enquanto buscamos entender o que nos trouxe ao mundo. Já não me ocupo com isto, desde... Quanto a mim, pretendo ainda entender... Ei-las de volta, sinalizando caminho. Vamos tentar o improvável? Faça-se leve – pede o até então cavaleiro. Farei meu melhor – concede aquele que nunca antes imaginara a possibilidade de percorrer qualquer caminho senão com pés no chão. É flutuar, mas temo – ao sentir-me além-do-ser-corpo-denso-de-forças-fraquezas-e-sangue-em-veias-ar-em-tubos-substâncias – e tremo... Deixe-me, só por mais um instante carregá-lo, oh corpo meu, assim mesmo a tremer na febre dos medos meus-e-seus, qual fôssemos afinal dois: eu-e-o-eu. Eia! Eia! Eia! Ao lago! Leva-me alma minha ao reconforto do vagar em águas, doces águas. Nelas um novo repouso, outro breve esquecimento, outros pontos enfileirados em justa ordem... Calma – ouviu-se no som das águas sem ondas, sem corredeiras, repousadas entre rochas quietas. Aos sonhos – disseram-se os personagens sonhados. O com olho único cerrou-o. O possuidor de dois, que nada vê, insistiu no mantê-los abertos à escuridão da tarde. No sono, o ciclope pode ver-se no lago – espelho. O cavaleiro reconheceu-se em ecos. Calma...
Perdido. Entre os pensamentos e as falas – eis onde estou. A noite chegou, tão fria quanto o dia, tão fora de propósito quanto as outras horas vividas em outras partes deste hoje. Fiz um esforço danado para entender umas mensagens cifradas e traduzi-las para idioma familiar. Pequenas dores, apesar de poetizadas, persistem. A dor é presente – momento e dádiva. Ela localiza o corpo no corpo. Mostra distâncias. Denuncia qualquer dissipação de forças. Todavia....

domingo, novembro 30, 2008

Penso enchentes. Mais do que em águas aquelas cidades estão submersas no lixo – produto da indústria humana. Em socorro dos desabrigados para lá mandaremos mais e mais garrafas de plástico, fraldas descartáveis e cápsulas cheias de produtos tóxicos. Mandaremos os milhões necessários à reconstrução das casas daqueles que as perderam. Deixaremos de mandar os outros milhões necessários para a construção das casas daqueles que já não as tinham.
Penso atentados. O Primeiro Ministro indiano pediu pela paz, sentado de costas para um busto de Gandhi. No Congresso, a extrema direita granjeia votos, acusando-o de incapaz na condução do país. Vociferam afirmando ser necessário seguir o exemplo das potências ocidentais após o onze de setembro.
Penso perguntas. Nossas cidades carecem hoje de destruição? Nossos modos de conviver, de produzir e partilhar o pão, pedem revolução? Nossas mentes carecem trasmutação?
Penso o pensamento. Seguem em mim perguntas de criança. Teimo em ver o mal sem crer no Mal, senão em territórios fantásticos. Somos – iguais – passageiros. Nossos desejos são – iguais – irrealizáveis. Seguimos: humanos iguais – cabeças, troncos, membros e ignorâncias.

quarta-feira, novembro 26, 2008

Morrem - humanos - em guerras. Morrem em atentados. Morrem no acaso das armas; e em ruas com bueiros entupidos de lixo, incapazes de suportar as grandes águas. Dias atrás morreram meninas também. Na noite medito os fatos e tremo: são mortes conduzidas por mãos - humanas - capazes.

Procuro meus filhos, moradores do lá longe. O menino não responde. A menina responde citando Kalil Gibran. Lembro-me de ter lido o mesmo trecho em tempo de ser filho. De reler em tempo de ser pai. Lembro-me de que sou homem vivo. Ouço a chuva doce. Ouço o leve ruído dos dedos sobre as letras. Ouço a menina dizer: estamos no ano da Tormenta Elétrica, estamos no fim do mundo.

N'outra manhã compareço, reabro os jornais, abro os olhos. Logo aqui ao lado, o retrato da varredora ocupada em limpar a calçada em frente ao Hotel Taj Mahal, em Mumbai. Uma vez estivemos juntos a poucos metros um do outro. Tomei-lhe a imagem pelas costas.



Hoje, estamos juntos aqui. Quisera ajudá-la a varrer o horror para algum não-mundo.

terça-feira, novembro 25, 2008

Sonhei estar com crianças. Íamos em perseguição a um livro escondido. Uma biblioteca, guardada por um homem-mau-de-história, era o cenário. Chegamos à conquista de uma edição rara do Pinóquio, mas não era este o volume procurado. Antes da conquista, acordei. Nem me lembro qual era o tesouro. Sonhei também ruas confusas e travessias perigosas. Acordei do avesso. Ainda tento ajustar ao corpo a alma amarrotada. Assim me apresento nas vésperas de cada jornada: manhã.
Depois vejo. Há luz. Os dias são de cores. As bromélias invadem os troncos fincados nos canteiros da rua. Os caminhos são rosados.
E ouço. Há ruídos. As máquinas persistem. Há as que roncam, as que trincam, as que travam e as que se abrem para receber e devolver as vozes do mundo.
Creio. Há fé. O inverno é em novembro e o agora é. Os sinos quase não mais existem e, mesmo assim, tocam-me. Tenho uma nova bússula. Uso óculos e máquinas. Anseio dizer façanhas. A cor é a do corpo - cor nenhuma e vária. Significo ao menor sinal da dor.

Hoje quis mudar o mundo. Era o fim da tarde, fim da jornada-do-homem-no-dia, quando encontrei os velhos. Marcas de dor beiravam seus cantos – bocas, olhos, dedos: fronteiras suas entre o dentro e o fora. Cogitei ações e métodos. Sonhei ofertas de dias novos, com outras e claras manhãs, outras tardes de sossego, outras noites de festa. Depois suspirei, exnxergando o engano. É tolice inventar um futuro para presentear aqueles que só necessitam de um novo passado.

Na noite, o desejo de sonho impede o sono. Sigo à procura de entendimento. Encontro uns ditos e uns silêncios. Disseram-me: antes de ser nasci. Sobre o antes disso nada disseram. Disseram: depois de ser vou morrer. Está tudo quieto. Os ruídos existem, mas estão lá na rua, fora do quarto, longe da cama. Os ruídos estão no além.

terça-feira, outubro 28, 2008

Enquanto sigo a ler, nos dias-e-noites, mais se apresenta a vontade de escrever direito. Quisera contar simples e contar reto: acontecimentos. Porém, porém, porém... Não é assim a palavra decidida, a fugir de mim, a escorrer em preto, desde a ponta da caneta amarela até seu fim em linha preta, onde ela descansa, enfim feita. Escapam rimas incertas. A cadência da fala apresenta-se: inscrita. Fico de olho, mas é incontrolável. A palavra manda. É isto! A palavra manda a mão dizer. Manda colar um traço a outros, e fazer parecer que os pedaços todos nasceram juntos. De qualquer acontecido, logo me esqueço. Inclino-me e aceito.
Vislumbro: acontecência.

domingo, outubro 19, 2008

Do óbvio.

O conflito: vontade de futuro versus ignorância sobre o futuro.

O fato: inexistem fatos depois deste.

O resto: resta responder ao momento, silenciar nele, ser e estar, estar em ser, estarrecer.

sexta-feira, outubro 17, 2008

Setembro foi ruidoso. Houve tarefas demais. Houve reformas nos dentes, nos ouvidos, nas juntas, movimentos necessários a indicar a necessidade de meditar uns assuntos e o assunto, aquele.
Outubro é ruidoso. Há grandes chuvas. Há calores e frios. Ora a tempestade bate à janela, pede-me atenção. Apesar sento-me aqui. Estou íntimo. Desejo contar e contar-me.
:
Piso atento ao pisar. Encanta-me o poder estar em pé e, pé-ante-pé-e-pé-após-pé, atravessar uns trechos do mundo.
Leio atento ao ler. Desconfio de mágica quando a coisa-livro, feita de coisas tantas, fica esquecida entre as mãos, restando inventado um encontro entre o eu-a-ouvir e aquele outro-no-passado-a-dizer.
Escrevo atento ao escrever. Reconheço a mão, a máquina, a mesa, o chão sob a mesa, o espaço entre as letras, a distância entre o dito e o não.
Toco atento ao tocar. Entrego-me a braços outros, tomo nos braços outros, em sonho de não-distância, ciente de estarmos voando no mesmo ar.
Atento atento ao atentar.

domingo, agosto 17, 2008

Encontro um trecho, escrito por certo Zamora - se viveu ou se foi inventado não sei, pois só dele menciona o nome, no Romance de Peron, o senhor Tomás Eloy Martinez. Ao trecho!
:
"O erro da filosofia consiste em explicar o homem através daquilo que pensa ou sente. O homem é o que é: o tortuoso e labiríntico impulso que o leva a traçar uma vida que raras vezes se parece com o seu projeto de vida. Só vivendo nos conhecemos. A vida nos delata."

quarta-feira, agosto 13, 2008


amar-desarmar-desamar-armar-há-nisso-um-erro-sei-que-há. há o amar!

Quando veio, a paixão foi das enormes, das de pensar chegadas as coisas, as inexistentes: o Sempre, o Tudo e o Até o Fim.

Quando acabou, a dor foi das sem tamanho. Foi dor de cegar. Veio o tempo de chamar de erro todo o antes; tempo de negar o desejo, o viver do outro e o encanto do encontro.

Todavia, quem por janela olha a trama, ousa dizer: sobrou do ser dois-qual-fossem-um, por longo tempo vivido, um novo-ser-cada-um-consigo.

Coração é lugar de passagem. Não é paragem não.

sexta-feira, agosto 01, 2008

Estava dentro da noite, era depois da noite - o coração ia tranquilo, no reconforto do encontro, na hora depois do encontro. Ainda havia vontade de ler, de chegar ao cume, de conhecer o fim da história. Foi quando Michel del Castilho, disse:
"Talvez chegará o dia em que os livros já não existirão. Aí, os homens se descobrirão sem memória, incapazes de decifrar o passado, privados das palavras para dizer a sua esperança, reduzidos ao silêncio do fracasso. De repente, eles estarão mais nus do que na primeira manhã do mundo."

sábado, julho 26, 2008

Pena.

No antes me preparava com cheiros novos e cores. Virava a casa em porto, respirava com capricho, sentava-me atento, sem gesto. Depois aprendi a morar no seu esquecimento. Consegui jeito de amar sem tocar; um amar sem forma, sem objeto. Aprendi o esconder, o tremer silente e outros modos certos. Hoje rimo escondido, tomo uma dose, releio, revejo, vejo-me só e confesso: com um novo truque, por igual, o final foi feio. Nem à espera eu estava e, assim mesmo, você não veio.

terça-feira, julho 22, 2008

Minguante

Ao chegar dos sonhos abri a janela. Os pássaros avisavam ser manhã. Os olhos, no entanto, encontraram luar. Eita planeta lindo! Eita deus extravagante! Eita sol, eita sol...vichi!
Vivi, faz pouco, na liberdade de ser um menino acordado dentro da história fabricada pela mente de homem dormindo. No sonho estive ocupado em afazeres impossíveis. Cumpria obrigação de arrumar um quarto para um bebê, cavar um túmulo para uma menina, preparar uma festa e para tudo tinha tempo, espaço, forças. Nada era triste ou alegre, porém me sentia aflito. A cova parecia pequena e no armário, onde deveriam estar somente brinquedos, havia muitos livros.
Acordei com a impressão de que o tema da noite foi a morte. Na vigília do dia recém começado medito o mesmo assunto.

quinta-feira, julho 17, 2008

Citação:

"Agora sei que o amor nos faz aproximar as coisas, habitá-las, que pelo amor as reconhecemos e que, depois de lhe recebermos a revelação, nada mais é preciso para nos sentirmos vivos." (Fernando Namora)

terça-feira, julho 15, 2008

Viver é coisa sem fim.
Na manhã, a água fervente escorre. O líquido negro invade o escuro. Na borra, no fundo do saco, resta um sussuro: viver, viver, viver.
Na página, no céu, no terreno – em branco, em azul, em preto – há o desenho. Ele não se deixa ver. No espaço há o som, há notas ainda em silêncio. A canção não se deixa ouvir. Na antecâmara o homem respira. Sorve o ar momentâneo com os olhos entreabertos, na busca de um foco, de um qualquer entendimento. Nada existe e está tudo pronto.
Viver é sem começo.

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sábado, julho 05, 2008

Reli:
Trechos deixados em cadernos antigos.
Entendi:
Não há o que arrumar, organizar, entender. Os papéis em desordem são somente isto: a desordem. Enxergo-me em desordem. Gostaria de ser outro - é o que enfim está escrito em toda parte. Todavia sou o um. E, à força desta vontade de transformação (transformização?), resisto. Não por medo ou por franqueza, mas pela urgência de acordo íntimo.
Pensei:
Fui à Índia levado por pressentimento. Fui para desconhecer. Fui para pressentir o que pode vir a ser a meditação. Lá, incapaz de entender as coisas mínimas e em meio à inimaginável balbúrdia, houve silêncios.
No tempo dos sonhos o mundo conhecido se apresentava. No tempo de olhos abertos apresentava-se o homem-um-só-em-meio-ao-mundo. O dever/direito, primeiro/último, era ouvir, testemunhar: o fora e o dentro. E unir.

quarta-feira, julho 02, 2008

Perguntou-me o homem: o que foi fazer na Índia? Sorri, meneei a cabeça, ensaiei um riso fraco e disse: fui pensar. Ele, suponho, pensou. Não suponho o que pensou, nem em qual idioma íntimo traduziu os sons do dizer: fui pensar. Houve um silêncio. Um silêncio-instante. E seguimos falando sobre trens, enquanto ele pilotava o carro, enquanto me perguntava: o que pensei na Índia? Vou pensar - penso.
Vou pensar.

segunda-feira, junho 30, 2008

Sou um menino. E fui deixado só em casa. É inverno, mas não é frio. As nuvens são barcos com velas brilhando ao sol. Sou um menino e fui deixado só, em casa. Abri os armários, as malas, vesti as roupas grandes, despi as roupas todas. Li histórias para adultos e estou perturbado. Sou muito menino e fui deixado muito só, na casa. Li todas as histórias para adultos deixadas na casa. Estou perturbado. Estou perturbado como um adulto. Comi todos os doces. Não fiz as coisas úteis, não fiz os deveres, sentei-me ao sol diante dos barcos ao sol. Sou um menino e aprendi: estou perturbado. Aprendi no livro para adultos, quando fui deixado menino-só-em-casa. Fumei cigarros, qual fosse um adulto. Minhas mãos têm cheiro de fumo, qual fossem mãos de um adulto que fuma cigarros. Fingi não ser um menino. Fingi ser um adulto. Fingi não estar perturbado. Fingi como um adulto. Agora estou a fingir que sei dizer coisas, estou a brincar de dizer coisas, qual fosse um adulto. Sou um menino e fui deixado em casa. Só.
Sigo, porém, lento, lendo:
...de coisas esperadas por longo tempo, excessivamente embelezadas com devaneios antecipatórios, não há nada, no final, que eu possa fazer senão sair correndo. (Yukio Mishina, nas Confissões de uma Máscara)

terça-feira, maio 06, 2008

Fala-falha.

Uma mulher francesa, de nome Fred Vargas, escreveu O Homem dos Círculos Azuis. Eu li. Foram quatro horas de prazer. Lá pelas tantas, pergunta-se uma personagem:
"Escrever para quê? Para seduzir? É isso? Para seduzir os desconhecidos, com se os conhecidos não bastassem? Para acreditar que está juntando a quintessência do mundo em algumas páginas? Que quintessência, afinal? Que emoção do mundo? O que dizer? (...) Escrever é falhar. "
No parêntesis há uma frase oculta, onde ela se refere a uma das tantas histórias que a personagem pensara escrever e da qual também desiste. De fato, resume uma das tantas histórias contadas no tal livro, o estarrecedor.
Ponto.

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terça-feira, abril 15, 2008

...'tá o tudo escrito no Livrão de Deus...

Findas as práticas recolho-me à casa. No permanente perguntar para onde ir - enxergo a lonjura da noite. Umas dores leves noticiam o existir de cabeça, ombros, peito e, por aí acima e abaixo, o todo espaço de um ser-vivente-em-si. A dor não é dor de fato. É antes sinal, lição do tempo; é anúncio, convite, alento; é desenho de ponto exato. A escrita é de calar todo acontecimento. É fala de ocultar o dia-de-palavra-em-vão. À leitura! - diz o mestre. E sigo..........................O livro diz: livro. A história diz: história. A água nada diz. As unhas dizem: corte! A tesoura corta e grita: sangue! E a água turva a rodopiar os canais invisíveis nada diz. Nisso a música é de precisão. Uma canção com palavra: vida, ferida, gesto e um vocalise ao fim de: olhar, ar, ai, a. ...................Venho do sangue de umas gentes cheias de amor e de temores. Por isto permaneço na casa, alheio, guardado, senão quando às ruas me conduzem os afazeres. Todavia aqui, recluso, sonho casa percorrida por milhares. E os faço dançar danças e cantar uns cânticos, qual fôssemos celebrantes de uma missa em graças aos sangues tantos em nós misturados.......................Nesses trechos, um trecho da noite esta, um instante antes de seguir aos outros sonhos..........................&

segunda-feira, março 31, 2008

Falemos então, senhoras e senhores, sobre a guerra. Não a pequena, repetida, quando morrem alguns em bombardeios inúteis. Toquemos logo na imensa, aquela que, dia a mais ou dia a menos, acaba por nos matar a todos. Penso muito nela quando saio pelas ruas, pressentindo os perigos grandes do dia: a fome e a solidão. E, nas noites, penso ainda: há fome e há solidão.
Nem quero falar tão alto, pois sei que o mal cresce quando regado por palavras. Mas acordei enxergando uma história de desamor. Pedi logo ao pianista: comece! E ele o fez, enchendo de notas a casa sonolenta. Quis chorar aos primeiros acordes, mas o negro morador do negro disco insinuou umas alegrias e se pos a me contar que os sonhos existem.
Em meio ao campo tomado pelas trincheiras, os soldados caminham, disse-me. É manhã e se caminha – percebi. É possível tomar a pena e as penas produzindo com elas uma canção de encontro, uma que se ponha no mundo qual fosse um abraço entre homens livres. Nisso me vem a vontade de dançar. Mal posso prosseguir sentado. O caderno treme sobre a mesa. A mesa treme sobre o chão. A casa vibra, tomada pelo espírito amoroso que nela pousa, sem nem precisar ser chamado. Ele – esse espírito – sabe para onde ir. Sabe encontrar em meio ao frio e seco dia de fingimento – um a mais de trabalho vão, um a mais de andarem os homens entre os outros homens como se fossem inimigos – a exata hora e o exato lugar para espalhar-se em ondas. Assim, tomado por força amorosa, ora ainda contida em fosso de impossibilidades, aviso: estou cheio, pleno – sem paixão, pois que não sou guerreiro – , sigo enamorado.