domingo, novembro 26, 2006

Nota

Meu amigo Franz Kafka – a manhã era nebulosa, e pouca chance havia para qualquer acontecimento – disse ser necessária uma janela para a rua. O solitário tossia. Entre uma palavra e outra a Senhora, moradora de seu peito apertado, emitia o sinal do obscuro. Todavia o moço prosseguia na contemplação da cidade, das carruagens arrastando-se entre as pedras da rua lá embaixo, no chão longínquo.
Meu amigo Marcos Prado – a manhã era ensolarada e o mundo parecia uma chance – perguntava: quantos amigos eu tinha (muitos), que não via nenhum na minha frente... O solitário se desmanchava. Entre um gole e outro, cuspia ali, na escadaria. Eram tantos versos, pela cara dele aquilo escorria, tal ira e enrustida doçura sob a pele não cabiam.
Meu amigo Primo Levi – a tarde era chuvosa, tocava já o cuco anunciando a sesta – foi descrevendo a delícia de olhar os outros, aqueles que não nos podem ver. Em verdade ele contava uma história, mas minha mente parou ali, naquela descrição.
Meu amigo Nauro Machado – era manhã fresca de janeiro, no pré-carnaval de São Luis – enquanto ele sorvia uma sopa de peixe, pude ouvi-lo dizendo: tudo perde o sentido quando pronunciado.
Ah meu amigos... que dia!