segunda-feira, março 31, 2008

Falemos então, senhoras e senhores, sobre a guerra. Não a pequena, repetida, quando morrem alguns em bombardeios inúteis. Toquemos logo na imensa, aquela que, dia a mais ou dia a menos, acaba por nos matar a todos. Penso muito nela quando saio pelas ruas, pressentindo os perigos grandes do dia: a fome e a solidão. E, nas noites, penso ainda: há fome e há solidão.
Nem quero falar tão alto, pois sei que o mal cresce quando regado por palavras. Mas acordei enxergando uma história de desamor. Pedi logo ao pianista: comece! E ele o fez, enchendo de notas a casa sonolenta. Quis chorar aos primeiros acordes, mas o negro morador do negro disco insinuou umas alegrias e se pos a me contar que os sonhos existem.
Em meio ao campo tomado pelas trincheiras, os soldados caminham, disse-me. É manhã e se caminha – percebi. É possível tomar a pena e as penas produzindo com elas uma canção de encontro, uma que se ponha no mundo qual fosse um abraço entre homens livres. Nisso me vem a vontade de dançar. Mal posso prosseguir sentado. O caderno treme sobre a mesa. A mesa treme sobre o chão. A casa vibra, tomada pelo espírito amoroso que nela pousa, sem nem precisar ser chamado. Ele – esse espírito – sabe para onde ir. Sabe encontrar em meio ao frio e seco dia de fingimento – um a mais de trabalho vão, um a mais de andarem os homens entre os outros homens como se fossem inimigos – a exata hora e o exato lugar para espalhar-se em ondas. Assim, tomado por força amorosa, ora ainda contida em fosso de impossibilidades, aviso: estou cheio, pleno – sem paixão, pois que não sou guerreiro – , sigo enamorado.

1 Comments:

Blogger Pó & Teias said...

que bonito este texto, haroldo!

2:44 AM  

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