segunda-feira, janeiro 05, 2009

Venho de uma casa lá. Aporto na casa cá. Marco na página estes pontos, qual pudesse adornar os fatos. Copio um disco desconhecido. Recebo os amigos para café, fumaça e para ouvir a moça – baixo, voz, beleza. Faltam sacos para corpos em Gaza. Conto vitórias no jogo do bicho, olhando de soslaio para os jovens apaixonados que sofrem. Sugiro uma outra canção. Digo não, digo hoje fico. Mudo de lugar a geladeira nova. Mudo de lugar a geladeira velha. Faltam sacos para corpos em Gaza. Olho para a rua. Olho para o crepúsculo prateado. Olho. Olho. Olho. Agasalho o tronco e tiro as meias. Ponho no forno um pedaço de pizza. Um pedaço de ontem ponho no fogo. Faltam sacos para corpos em Gaza. Reclamo ao telefone. Perdoo quem não veio. Digo. Digo. Deixo para lá o atraso. Acho que não devo. Sempre se atrasam comigo. Faltam sacos para corpos em Gaza. Penso ligar a câmera e, de frente para o espelho, cantar. Quero observar os movimentos do ar nas costas, nas costas, nas fronteiras, limites. Estou na posse de minhas costas e de meu espelho. Faltam sacos para corpos em Gaza. Desisto de filmar qualquer coisa. Desisto de não me queixar de uma dor pequena no pescoço. Não desisto de manter a máquina em funcionamento. Não posso. Faltam corpos. Outros corpos, quero dizer. Faltam aqui. Fumo um cigarro. Outro cigarro. Mais um. Uma mulher toca um violão. Os vizinhos estão em festa. Mas não há problema. Entre nós estão muito bem estabelecidas as fronteiras. Faltam sacos. Uma dose. Uma só. Tenho já as calças brancas, as meias brancas, a camisa – o peito é vermelho. Corpos em Gaza. Está frio. Muito frio. Há sacos em Gaza. Há músicos com corpos. A camisa vermelha, sob a blusa branca, sobre o peito apertado – calor. Faltam sacos para corpos em Gaza. Faltam corpos para corpos em Gaza. Faltam corpos em Gaza. Está frio neste janeiro do mundo. É janeiro em Gaza. O encanador não veio. A geladeira velha agora está ao lado da nova. Sobram geladeiras em Gaza. Está frio. Um gole. Faltam sacos para corpos em Gaza. Dois dias longe dos jornais. Dois dias dentro da música. Duas músicas dentro de mim. Música dentro do saco. Corpo dentro do saco. A vida dentro do saco. Faltam sacos para corpos em Gaza. A música está aqui na casa. As imagens desencontradas dos tantos objetos encontrados, moradores da casa, guardados aqui, no corpo. Faltam sacos para corpos em Gaza. E lençóis...