segunda-feira, junho 30, 2008

Sou um menino. E fui deixado só em casa. É inverno, mas não é frio. As nuvens são barcos com velas brilhando ao sol. Sou um menino e fui deixado só, em casa. Abri os armários, as malas, vesti as roupas grandes, despi as roupas todas. Li histórias para adultos e estou perturbado. Sou muito menino e fui deixado muito só, na casa. Li todas as histórias para adultos deixadas na casa. Estou perturbado. Estou perturbado como um adulto. Comi todos os doces. Não fiz as coisas úteis, não fiz os deveres, sentei-me ao sol diante dos barcos ao sol. Sou um menino e aprendi: estou perturbado. Aprendi no livro para adultos, quando fui deixado menino-só-em-casa. Fumei cigarros, qual fosse um adulto. Minhas mãos têm cheiro de fumo, qual fossem mãos de um adulto que fuma cigarros. Fingi não ser um menino. Fingi ser um adulto. Fingi não estar perturbado. Fingi como um adulto. Agora estou a fingir que sei dizer coisas, estou a brincar de dizer coisas, qual fosse um adulto. Sou um menino e fui deixado em casa. Só.
Sigo, porém, lento, lendo:
...de coisas esperadas por longo tempo, excessivamente embelezadas com devaneios antecipatórios, não há nada, no final, que eu possa fazer senão sair correndo. (Yukio Mishina, nas Confissões de uma Máscara)