terça-feira, novembro 28, 2006

...o Nauro Machado:

Nunca mais poderei sair
do meu lugar.
(Comigo dentro, o mundo e a alma
em igual situação.)
Para sempre. Eternamente:
escreveu-me Deus.
(Enquanto houver Ser, eu
não sairei de mim.)

...isso enquanto a Hilda Hilst: Tu não te moves de ti.
&
...Reinaldo Arenas: ... tarde o temprano, por cada minuto de placer que vivimos, sufrimos después años de pena; no es la venganza de Dios, es la del Diablo, enemigo de todo lo bello...

...e o Marcos Prado, doce-mente: para cada sofrimento há um prazer correspondente.

segunda-feira, novembro 27, 2006

...dia...

Depois de ler as notícias reunidas sob o título Mundo, digo: Santo Deus! – como fariam minhas avós. Vou à janela. As nuvens indicam mais chuva. Espano de sobre móveis ciscos de pão, pétalas mortas das flores do vaso e algumas perguntas difíceis de responder. Cai tudo no chão. Com a vassoura potente levo os restos para um cantinho; depois ponho no saquinho, que vai para o sacão e depois para o caminhão. Para onde então? De tolice em tolice, sigo até chegar ao Prado. Marcos me diz: ... isso a que chamam mundo não é o centro das atenções do universo...

domingo, novembro 26, 2006

Nota

Meu amigo Franz Kafka – a manhã era nebulosa, e pouca chance havia para qualquer acontecimento – disse ser necessária uma janela para a rua. O solitário tossia. Entre uma palavra e outra a Senhora, moradora de seu peito apertado, emitia o sinal do obscuro. Todavia o moço prosseguia na contemplação da cidade, das carruagens arrastando-se entre as pedras da rua lá embaixo, no chão longínquo.
Meu amigo Marcos Prado – a manhã era ensolarada e o mundo parecia uma chance – perguntava: quantos amigos eu tinha (muitos), que não via nenhum na minha frente... O solitário se desmanchava. Entre um gole e outro, cuspia ali, na escadaria. Eram tantos versos, pela cara dele aquilo escorria, tal ira e enrustida doçura sob a pele não cabiam.
Meu amigo Primo Levi – a tarde era chuvosa, tocava já o cuco anunciando a sesta – foi descrevendo a delícia de olhar os outros, aqueles que não nos podem ver. Em verdade ele contava uma história, mas minha mente parou ali, naquela descrição.
Meu amigo Nauro Machado – era manhã fresca de janeiro, no pré-carnaval de São Luis – enquanto ele sorvia uma sopa de peixe, pude ouvi-lo dizendo: tudo perde o sentido quando pronunciado.
Ah meu amigos... que dia!

quinta-feira, novembro 23, 2006

...e naquela tarde nada mais foi dito...

segunda-feira, novembro 20, 2006

Chovia. O eu procurava o verbo. Vibrava. A chuva percorria o oco. A poeira dos olhos, a densa memória, o calor do sangue, nas águas se perdiam. O eu escondido em pequenezas; a tempestade gritando em baixo profundo – assim se ia, entardecendo. No instante, uns arrepios. Desconfianças. O mundo insinuava quedas. E se... – perguntas, flutuações, quase desgostos. As gotas, desde o céu enfileiradas, seguiam rota certeira: canteiros, raízes, flores, bueiros e poças. A chuva, em solo, brilhava. Sempre mesmo é o nada – o eu, em solo, cismava.

sábado, novembro 18, 2006

O poder de dizer, aqui, ausentou-se por uns dias. Máquinas adoecem. Esta minha deixou-se tomar por impulsos elétricos estranhos. O curandeiro de máquinas avisou-me: foi por pouco. Os invasores estavam decididos. Queriam comer as idéias palavreadas, as figuras e os guardados. Deu-se jeito. Quase nada se foi. O diário está ali mesmo, oculto sob seu nome, os versos esquecidos, as cartas não enviadas, os rascunhos sem fim, inda vivem também. Umas tantas descobertas ficaram acumuladas sob a capa verde do caderno verde.
Escrever agora é de precisão. As janelas estão fechadas. Os olhos estão abertos. A chuva é comovente. Ela me conta: ainda há água no céu. Conto: há dizeres contidos nas nuvens, enxurrada de sonhos borbulhando em esquinas, cânticos de pássaros, silenciados por um instante, guardando-se no desejo do perfume de terra molhada. Em meio à tempestade, tremo. Há medo e há fé.